Ideias para Debate

Thursday, March 17, 2005

Expectativas

Fui convidado a ir ao Seminário St. Agostinho, na Matola, falar sobre as expectativas existentes em relação ao novo governo.
Li lá o seguinte texto:

Pediram-me para vir aqui hoje falar-vos sobre o novo governo e sobre as perspectivas, anseios e expectativas que ele gera.
Tarefa dificil de realizar, principalmente quando se fala para pessoas que não conhecemos, em termos da posição que assumem na vida e na política.
Mas, ao não saber qual é o vosso, fica sempre a saída de olhar para a questão do meu próprio ponto de vista. É isso que vou tentar fazer.

Para explicar o que esperamos do novo governo, é preciso começar por dizer o que se pensa do anterior, pois ele é o nosso primeiro termo de comparação.
E eu devo começar por dizer que, de uma forma geral, não gostava do governo de Joaquim Chissano.
Digo “de uma forma geral” porque, apesar de tudo, havia coisas nele que me agradavam: A liberdade de imprensa, a paz, algum desenvolvimento económico são exemplos de coisas que me agradavam. E são coisas muito importantes.
Mas a maioria das coisas não me agradavam de maneira nenhuma. E a sensação que eu tinha era de que, com o passar do tempo, as coisas que me desagradavam iam aumentando em quantidade e qualidade.
Joaquim Chissano permitiu, através da política que hoje é conhecida como o “deixa-andar” que aspectos extremamente graves da nossa sociedade crescessem e se multiplicassem até atingirem dimensões de cancros sociais: estou a falar da corrupção desenfreada, do crime organizado, do tráfico de drogas e do assalto aos bens do Estado que caracterizaram os últimos anos da vida no nosso país.
Tendo nós partido de um Estado em que a corrupção era praticamente desconhecida, no tempo de Samora Machel, o aparecimento e crescimento acelerado desse mal foi uma surpresa e um choque grande para aqueles que tinham vivido num Moçambique completamente diferente.
Choque ainda maior por descobrir que aqueles que, à volta de Samora, mais apregoavam a honestidade e as mãos limpas eram agora os que enriqueciam mais rapidamente sem olharem a meios para o conseguirem.
Na luta pelas fortunas pessoais valia tudo, desde as percentagens em negócios escuros, até ao roubo puro e simples, ao assassinato e ao nogento negócio das drogas, que dá cabo da vida de tantas famílias.
E descobrimos que o Aparelho de Estado, numa primeira fase, parecia não ser capaz de combater estes males. Com o andar do tempo verificámos que, muitas vezes, o Estado fingia que não via os crimes cometidos e, por vezes, era mesmo cumplice no abafar de casos de grande gravidade. A Procuradoria Geral da república não foi capaz de acusar e levar a tribunal um único caso. A polícia nunca prendeu ninguém, a não ser os pilha-galinhas e, na questão da droga, os polícias sempre olharam para o outro lado para não verem aquilo que se passa nas barbas de toda a gente. Mesmo no famoso caso dos dois camiões com 40 toneladas de haxixe, que foram apanhados com os respectivos tripulantes, nunca se conseguiu saber quem eram os verdadeiros donos. Nunca se soube de onde vinham os camiões nem para onde iam, o que é espantoso.
Mas as coisas atingem o ponto de maior gravidade quando começam os assassinatos para tentar esconder a roubalheira que já era enorme. São os casos do bancário Lima Felix, do jornalista Carlos Cardoso e do economista Siba Siba Macuácua, que vão levar a outros mais tarde, como o de Armando Ussufo, ex-director da Cadeia Central da Machava, de onde tiraram por duas vezes o famoso Anibalzinho.
É neste ponto que estamos quando houve que realizar as últimas eleições gerais.
E creio que foi toda esta situação, em que o nome de Nyimpine Chissano aparecia frequentemente misturado, que levou Joaquim Chissano a não se recandidatar à presidência e a Frelimo a lançar a palavra de ordem “A Força da Mudança”. Mesmo dentro do partido no poder se terá chegado à conclusão que aquilo não podia continuar e que a direcção máxima do partido estava de tal forma associada, na opinião pública, a todo aquele clima de corrupção e criminalidade, que era necessário mudar muita coisa, incluindo essa chefia máxima.
Daí a candidatura de Armando Guebuza e a campanha realizada contra a corrupção, o crime organizado, o deixa-andar e a pobreza absoluta.
Tudo isto, no entanto, tem que ser feito sem pôr em causa a unidade interna do Partido Frelimo, necessária para ganhar as eleições e manter o controle do país. Estou em crer que muito teve que ser negociado nos bastidores até se conseguir esta transição pacífica. E desconheço até que ponto não terá sido uma das coisas negociadas a impunidade dos criminosos que actuaram no tempo de Chissano. Uma coisa do género : “Eu saio sim mas vocês depois não tocam na minha gente”.
A recente cedência do lugar Presidente da Frelimo, protagonizada por Joaquim Chissano a Armando Guebuza terá sido o último acto de toda esta transição. E terá sido resultado de mais negociações de bastidores, porque nada dava a entender, pouco antes da reunião do Comite Central, que Chissano iria abdicar da posição que mantinha.

E chegamos ao momento actual. Guebuza é Presidente da República e do Partido e formou o seu governo. As palavras de ordem que lança, constantemente, são de luta contra a corrupção e a criminalidade, o burocratismo e a pobreza absoluta.
O governo que formou é constituido, em grande parte, por antigos governadores provinciais. A ideia parece-me boa, na medida em que os novos ministros não sairam dos corredores de Maputo mas sim do terreno real dos distritos de todo o país, de norte a sul. Penso que nenhum governo, desde a independência, teve, no seu conjunto, um conhecimento tão completro da realidade nac ional como este que está agora em funções. O que pode ser muito bom sinal.
Trata-se, igualmente, de um governo relativamente jovem, com gente ainda não muito acomodada. Portanto ainda com vontade de mudar as coisas, esperemos que para melhor.
E estes primeiros tempos parecem mostrar que existe vontade de os novos dirigentes varrerem as respectivas casas e começarem a arrumá-las melhor. Os casos mais divulgados do Dr. Ivo Garrido, no Ministério da saúde e de Aires Ali, na Educação, parecem ser bons sintomas de que os serviços respwectivos vão começar a tratar melhor doentes, professores e estudantes. Mesmo sem necessidade de melhorias nos meios ao dispor. Mudando apenas a forma de trabalhar com os meios disponíveis. Se depois for possivel melhorar também os meios, todos ganharemos ainda mais com isso.
O actual governo goza ainda de duas importantes vantagens em relação ao anterior:
Por um lado a sua tomada de posse realizou-se sem grandes sobressaltos e está a ser pacífica, ao contrário das convulsões de 1999, que culminaram nas manifestações da Renamo e no massacre dos presos de Montepuez.
Por outro, a Frelimo aumentou bastante a sua maioria na Assembleia da República, o que lhe dá um poder indiscutível para realizar o seu projecto de governação sem ser incomodada por uma oposição tornada quase impotente.
Esta última força é, paradoxalmente, uma possivel fraqueza.
Neste momento a Frelimo tem um poder praticamente absoluto: Tem uma maioria absoluta no Parlamento,o Presidente da República dirige o Governo, é o comandante em chefe das forças de defesa e segurança, é quem nomeia juizes para o Tribunal Supremo e o procurador Geral da República. É uma concentração de poder como normalmente só encontramos em estados de partido único.
E, nessas circunstâncias, resta-nos esperar que quem governa tenha boas intenções em relação à forma como governa. Porque, se não tiver, nada podemos fazer para evitar os seus desmandos.
Até ao momento tudo me parece estar a andar bem e o discurso do novo Presidente da República coincide com aquilo que também eu penso que são as prioridades no nosso país.
Mas a idade tem-me tornado cada vez mais desconfiado e há muito que não ponho as mãos no fogo por ninguém. Por isso aconselho que mantenhamos os olhos e ouvidos bem abertos para o que for acontecendo para podermos, em termos de sociedade civil, intervir com a nossa voz para apoiar o que acharmos correcto mas também criticar o que nos pareça estar a fugir do bom caminho.
É isso que entendo por cidadania consciente e gostaria de vos trazer como recomendação a vós, na maioria jovens no começo da vida.
E muito obrigado pela vossa paciência em me estarem aqui a ouvir.

Maputo, 17 de Março de 2005

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