Ideias para Debate

Saturday, June 18, 2005

Pessimismo?

Do amigo Custódio Duma recebi o texto que publico abaixo. Texto de grande pessimismo. Pois, amigo Custódio, não considera os males que indica como uma fatalidade e sim como obstáculos que a vossa geração vai ter que enfrentar e vencer. A geração a que você pertence tem ainda umas dezenas de anos à sua frente para mostrar o que vale.


UM LEGADO VICIADO


Custódio Duma*

Tive ontem a última aula de uma cadeira da pós-graduação e um dos colegas, sabendo que eu era estrangeiro, pediu que posássemos numa foto para a posteridade.
Foi um momento muito curto, mas muito emocionante.
Contudo o mais interessante nisso, foi o facto daquele momento lembrar-me que, mais do que um estrangeiro em outro país, no nosso próprio país também somos passageiros, ou se quiserem: neste mundo somos todos passageiros, uma vez que não vivemos para sempre.
E perguntei: qual o legado que deixamos para a posteridade?
O que os moçambicanos criam e deixam para as futuras gerações? Relembrando que estamos celebrando os trinta anos da independência do país, o que essa idade significa e quais são as aprendizagens tidas disso?
Sou muito jovem e nasci depois da independência. Mas posso afirmar que vivi momentos impares que muitos sonharam presenciar e não puderam. Vivo um momento do mundo em que o tempo passa tão rápido e corre numa velocidade mais acelerada. Vivo numa altura em que os acontecimentos não dependem de nada para se darem.
Em menos de trinta anos assisti à queda do Muro de Berlim, à unificação das duas Alemanhas e ao adormecimento do socialismo comunista.
Testemunhei o fim do Apartheid na África do Sul, regime que ainda era a única forma legal de segregação racial e ao mesmo tempo vergonha de África.
Vivi as independências da Namíbia e Timor Leste, tidas como fim do colonialismo para África e liberdade para o último país de expressão portuguesa.
Presenciei a passagem para o outro milénio. Acontecimento inédito, acompanhado de vários misticísmos e objeto de famosas profecias com idade acima de mil anos.
Vi o surgimento de animais clonados e presenciei a maior e a mais sofisticada técnica de manipulação genética para todos os efeitos possíveis. Vivo numa época em que já não se duvida de qualquer transplante que se imagine em corpo humano.
Vi lágrimas nos olhos dos grandes. Vi na maior potência mundial o medo e a insegurança, escondidos na sua arrogância de dominar o mundo por meio de um imperialismo moderno que não conseguiu impedir a queda das torres gémeas.
Vivo num momento em que o mundo é realmente uma aldeia, onde as fronteiras físicas não têm efeito nenhum na vida das pessoas. Um momento em que o próprio mundo é virtual e onde tudo é possível e permitido.
Assisti à morte de um Papa e à eleição de outro Papa. Vivi diferentes momentos da mesma igreja e diferentes pensamentos do mesmo mundo. Vivi também a morte de vários líderes políticos de calibre internacional e testemunhei a queda de diferentes regimes e a transição para novas ideologias políticas.
Assisti ao surgimento das maiores epidemias da humanidade e, ao mesmo tempo, à hipocrisia do mundo em aceitar partilhar para uma vida melhor em todos.
Assisti à legalização do aborto, da eutanásia, da marijuana e de casamentos homossexuais. Vi o homem a ultrapassar o seu limite físico temporal e espacial.
Testemunho uma altura do mundo em que o homem declarou-se completamente materialista e consumista. Numa altura em que a mídia molda a opinião publica e onde o senso de um punhado de potências é o mais correto.
Vivo numa altura em que presencio a morte de valores absolutos para dar lugar à liberdade de expressão física, espiritual e emocional das pessoas. Vivo o real momento da humanidade em que o conceito da pessoa humana é fortemente negado e desprezado. Um momento em que o homem é objeto da riqueza que acumula e sua respectiva vítima.
Vivi momentos que Sócrates e Nostradamus não viveram e, se calhar, gostariam. Assisti coisas que Platão e Alexandre Magno jamais imaginariam. Presenciei momentos que Galileu sonhou, provou e o profeta Daniel predisse nas Sagradas Escrituras.
Em pouco tempo me auto-declaro maior viajante e maior testemunha do tempo e do universo. Superei em grande todos os meus ancestrais e consegui ver o mundo na maior das dimensões preditas por filósofos e profetas.
É nesse testemunho atemporal tão rico e singular, que me inquieto com o futuro e indago o legado que deixamos para a posteridade. Pois apesar de não terem vivido nem imaginado o nosso mundo, os nossos antepassados deixaram pra todos nós um incomparável legado. Um legado de Paz, de Justiça, de Amor e de Progresso!
Diferentemente deles nós parecemos viver para hoje e não para o amanhã. As nossas atitudes estão cada vez mais viradas para o nosso próprio ego e não propriamente para a construção de uma sociedade que subsista ao longo dos tempos. Ignoramos a fragilidade do homem, das sociedades e do meio ambiente em sobreviver os perigos que criamos.
Conseguimos com os atuais sistemas políticos criar dirigentes corruptos, uma elite de coiotes burgueses que pregam a justiça vestidos de sangue. Cada político é cada vez pior que o outro. Vozes aparecem, graças a eleições que parecem justas e prometem combater a corrupção que eles mesmos criaram. Como é possível uma casa combater-se a si mesma? Não estará ela destruindo-se?
Com dirigentes políticos pouco exemplares, sócios de tudo que se chame empresa e de alguma forma ligados ao crime organizado e ao contrabando, que sociedade pretendemos construir e que legado procuramos deixar para a posteridade.
A mídia que devia servir de moderador e educador, papel que lhe é conferido pela historia da sua existência, mostra-se cada vez aliada à classe opressora e burguesa. Tenta-se criar um jornalismo de entretenimento aos políticos no poder, usando a parcialidade como instrumento.
A comunicação social não é mais aquele veiculo de informação e educação cívica. A corrida pela riqueza levou a que esse poder divulgasse só para vender. O sexo, o crime e o feio são temas de qualquer canal ou jornal. Deformando a mente do cidadão que passou a aceitar esses factos como normais e próprios da sociedade. Quanto mais se divulga sobre isso mais crescem os índices de HIV, da Criminalidade e da insegurança.
O professor que tinha o papel de contribuir na formação do homem do amanhã, ele mesmo perdeu o norte. A leitura e a investigação não mais fazem parte do seu dia a dia. Não são poucos os professores que, nas escolas ou universidades, continuam usando para a aula, planos de cinco ou de dez anos atrás. Alguns até trazem os seus cadernos de tempos de aluno. A cor castanha dos materiais antigos prova os fatos.
O professor não está informado, não produz novas mentalidades nem contribui na revolução social, corre atrás do dinheiro que vai gastar no álcool ou no bordel.
Isso tudo leva a que o cidadão não conheça o seu lugar na sociedade e nem participe na vida da polis. Não conhece seus direitos nem entende que estão sendo violados. A Constituição não lhe diz nada e a política é uma atividade de certa elite, aceitando assim a exploração e a corrupção como factos normais e incombatíveis.
Os outros atores sociais não perdem o tempo. Dizem-se ativistas de direitos humanos, advogados, lideres sindicais, dirigentes de ongs só para viverem à custa da miséria do povo não colocando nenhuma semente na terra, que brote para a posteridade. Não estão comprometidos com a causa, que realmente desconhecem e fingem combater a pobreza que na verdade fomentam para não perderem o emprego.
Os líderes religiosos, transformaram-se todos naquela escumalha de fariseus e publicanos que Jesus sempre criticou, são verdadeiras sepulturas, cobertas de branco por fora e escondendo no seu interior a maior podridão.
Hoje, ninguém mais sente a dor de ver gente morrendo de fome. A criança que vive na escada do nosso prédio não comove ninguém. A ação social passou a ser de outros. Cada um empurra para o outro e ninguém ajuda. A sociedade aceitou de bom grado a miséria e a pobreza. O homem aceitou de bom grado a sua própria decadência como ser.
O pior de tudo é que há todo um empenho na degradação e destruição da natureza e do meio ambiente. Hoje não se fazem os estudos de impacto ambiental. Se forem feitos são absolutamente ignorados. Há uma forte preocupação de ganhar mais dinheiro em prejuízo da própria vida.
Podia citar e comentar muitas outras questões, contudo acredito que ninguém ignora esses fatos. É importante que a gente pense também no amanhã, pois se os nossos ancestrais tivessem adotado a mentalidade que hoje temos o mundo já teria terminado.

Tenho dito

*Jurista

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