Ideias para Debate

Tuesday, July 26, 2005

Terrorismo, ainda

O Sérgio Gomes junta-se ao debate sobre esta questão:


Sobre as Soluções para o Terrorismo

Permitam-me que manifeste a minha satisfação pelo facto do blog estar a fornecer algo que em circulos académicos Moçambicanos tem sido de exclusiva competência de poucos senão de único e, portanto sem deixar espaço suficiente para diferentes interpretações e/ou debate. Está de parabéns este blog. A minha satisfação é reforçada pelo facto deste momento o blog nos estar a presenciar (consciente ou inconscientemente) com dois pensamentos actuais no debate sobre o Médio Oriente e Terrorismo. De facto o posicionamento do Elísio Macamo assume as mesmas feições daquele defendido pelo expoente Daniel Pipe, e, duma forma menos visivel, por Bernard Lewis, segundo o qual não é possivel acomodar os Islamitas. O único que se pode fazer com eles é combatê-los e derrotá-los porque caso contrário eles irão continuar a combater os valores ocidentais ou, nas palavras do próprio Elisio ao comentar o texto do Abdul, “Mesmo se o Ocidente fizesse hoje as concessões exigidas pelos integristas, o terrorismo não iria parar”. Foi este e continua a ser este o discurso que alimenta as acções do governo Bush no Afeganistão e duma forma mais complexa no Iraque. O outro posicionamento, neste blog defendido pelo Machado da Graça, está mais virado para aquilo que o Eduard Said defendia e os seus seguidores continuam a defender. De acordo com este grupo, os actos terroristas não são mais do que uma reação dos povos (particularmente islamicos) às tendências expansionistas ocidentais e também reacção ao sofrimento infrigido aos povos Muçulmanos com participação directa ou conivência do Ocidente. Ora, os dois campos tem seus fortes e fracos e o conteúdo daquilo que são as defesas e os ataques de cada campo forma o dito Political Islam que descreve a forma como diferentes actores, contra ou a favor do Islão, usam esta religião para a prossecussão de objectivos politicos. Portanto, à partida, não se trata de um conflito civilizacional, como pretendeu Huntington (num dos seus piores), mas sim de um conflito entre interpretações e do uso que se faz dessas interpretações do Islão.

Interessante neste assunto é o tipo de solução que se avança e neste caso, as soluções sugeridas tanto pelo Elisio como pelo Machado são evidentes manifestos do extremo que cada um deles ocupa no debate sobre a questão do Terrorismo. Gostaria, no entanto, de tecer alguns comentários sobre as soluções que cada um deles nos sugere.

O Elisio avança como possivel solução para o problema a necessidade do “triunfo do secularismo sobre a fé”. Não percebo ou melhor, pretendo não perceber. Assumo que o Ocidente serve de exemplo para esta sugestão que o Elisio nos oferece. Será que no Ocidente o secularismo triunfou sobre a fé ou é uma questão de coabitação pacifica entre ambos dominios, numa clara execução da maxima “ a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”? Eu acho que o Ocidente oferece-nos não necessariamente o triunfo do secular sobre a fé mas sim a coabitação pacifica entre ambos e em pior das hipóteses uma submissão, embora simbólica, do secular sob a fé. Por exemplo, os Presidentes Americanos fazem o seu juramento com a mão sobre a Biblia (e não sobre a Constituição), a Rainha da Inglaterra é também chefe máxima da Igreja mas, há uma clara separação entre os assuntos de César e aqueles de Deus porque o próprio cristianismo assim o permite.
Contudo, o Islão visto pelos islamitas (estão incluidos os moderados e os radicais), é um código de vida, regendo as relações não só entre o individuo e Allah mas também as relações entre os governados e os governantes. No Islão visto como um codigo de vida capaz de fornecer todas as respostas aos desafios da humanidade, não existe a distinção entre o privado e o público. Dai que, dificilmente possamos falar do triunfo do secularismo sobre a fé numa sociedade maioritariamente Islâmica. Cá pra mim, mais do que tentar-se desenhar, ou redesenhar, a sociedade Islâmica à luz do Ocidente, é preciso reconhecer-se que estas sociedades também podem produzir formas sustentaveis de coabitação.
Quem disse que todas as sociedades devem ter democracias liberais do tipo ocidental? O facto de se considerar o Ocidente como modelo retira a possibilidade de se considerar, por exemplo, a Revolução Islamica Iraniana como um sistema democrático, logicamente não liberal, mas que pode ser melhorado no seu aspecto humanitário. O que o Elisio nos sugere como solução requer a negação total de uma forma de gestão surgida no Médio Oriente (Irão) e a sua substituição por um modelo de gestão do tipo ocidental. Pra quem conhece o Médio Oriente o triunfo natural do secular sobre a fé é uma impossibilidade. Tal só se pode equacionar com recurso à imposição, o que tornaria o próprio sistema bastante insustentavel.

O Machado por seu turno, nos propõe que, “o que é preciso é desmotivar os terroristas. É retirar-lhes as razões da luta e a vontade de lutar”. Isso implica, necessariamente, identificar as causas da luta, identificar porque é que os povos desta região insurgem-se. Ora, a identificação das causas já foi feita pelo Ocidente e recordo ter trazido um texto, neste blog no contexto dos ataques de Londres, no qual explicava quais os factores que o Ocidente assume como causas do Terrorismo. A pobreza é vista como o maior móbil do Terrorismo pelo Ocidente. Isso é bom para Bush e Blair porque legitima o seu papel de salvadores na região. Contudo, a exclusão politica e a repressão contam tambem como grandes focos para emergência e difusão de uma ideologia anti-sistémica exigindo mudanças radicais e motivando a violência colectiva. Porque o Ocidente, para além doutras acções, apoia os Estados repressivos nesta região, então é assumido como alvo preferido dos Islamitas radicais. Portanto, é sim preciso identificar as causas do terrorismo, como o Machado sugere, mas não duma forma parcelada de acordo com os interesses estratégicos de quem identifica. Esta identificação exige uma abordagem holistica porque só assim se podem traçar soluções sustentáveis e conducentes à desmotivação dos terroristas.

Num outro desenvolvimeno, o Machado diz que “no Ocidente a influência da igreja foi diminuindo à medida que crescia a economia e a ciência” assumindo neste caso que um maior crescimento económico e elevção do capital humano poderá reduzir a influência da religião na sociedade. Contudo, a experiencia manda dizer que o nível de crescimento económico nesta região determina quem promove o Islamismo na Sociedade. Sendo que, quanto maior for o crescimento e a renda do Estado, o Estado promove o Islamismo (Islamism from above) e quanto menor for o crescimento e por conseguinte menores rendas de Estado, são grupos clandestinos e fora do contrlole do Estado que promovem o Islamismo (Islamism from below). Como diz o Elisio, a Arabia Saudita, donde brota a maioria dos terroristas, “já teve tempo de se civilizar com o bônus do petróleo”. Contudo, e assumindo eu que o ‘civilizar’ do Elisio deve ser entendido como ‘modernizar’, o pais fez grandes investimentos na promoção do Islamismo, ou seja do Wahhabismo, uma dotrina Islâmica que defende, dentre outras coisas, que o poder na Arábia Saudita deve ser exercido pela familia Real em clara contradição com os pronunciamentos segundo os quais o poder deve ser exercido pelos mais sábios ou mais capacitados. Isso quer dizer que grande parte da renda (25% do PIB fica nas mãos da familia Real) que muito bem teria feito à causa da modernização, foi aplicada tendo em consideração a necessidade de manutenção do poder através de construção de Mesquitas, não só na Arábia Saudita mas em todo o mundo, bem como o pagamento aos Imams que difundem tal ideia.
Já no Egipto e Argélia (com uma renda relativamente baixa), a promoção do Islamismo é feita por movimentos clandestinos (Muslim Brotherhood) que não poucas vezes acabam degenerando-se em grupos terroristas.

Um dos grandes problema que se tem ao se abordar a questão do Terrorismo é que nem o político e muito menos o académico podem dizer algo quando a questão é Salvacão. Portanto, quando a pessoa que se suicida aparentemente em cumprimento de uma obrigação religiosa, acredita que ao cometer tal acto está a criar condições para que a sua alma fique eternamente no paraiso. O desespero e a baixa expectativa na sociedade fazem com que as pessoas usem mecanismos ilegitimos para responder a causas legitimas (Palestina, agora Iraque, exclusão politica, repressão etc). O reconhecimento dessas causas é o ponto de partida para as soluções que não podem ser “pre fabricadas” independentemente das causas identificadas.

9 Comments:

  • Acho esta tentativa de síntese interessante, mas receio que tenha muito pouco a ver com o que tenho estado a tentar dizer. Nao sou de opiniao que é impossível acomodar islamistas. Sou de opiniao que nao é possível acomodar terroristas. A insistência na ideia de que esta gente faz o que faz por razoes religiosas é que introduz a confusao na discussao. Pode ser que um e outro facam isso, mas para a vasta maioria o terrorismo tornou-se um modo de vida.
    Neste momento, nao conheco nenhum sistema político que garanta melhor as liberdades individuais e proteja a dignidade de cada um do que a democracia liberal. Isso nao quer dizer que nao se possam ensaiar outras maneiras, e se de facto o sistema iraniano é assim tao louvável como se sugere, entao tanto melhor para eles. A liberdade e a dignidade nao sao valores ocidentais, sao valores universais e a nossa insistência na ideia de que quando tentamos emular esses valores estamos a imitar o Ocidente é uma das razoes do nosso atraso relativo.
    A questao do triunfo do secularismo sobre a fé parece um mal entendido. Se o Papa ou qualquer outra autoridade religiosa tivesse meios e poder para tal tentava fazer o que os mullahs estao a fazer no Irao. Do ponto de vista teológico nao há grandes diferencas entre o Islao, nas suas várias vertentes, e o Cristianismo, também nas suas várias vertentes. Sao ambos monoteistas, e portanto intolerantes, e emulam a obediência por cima da razao. A nao separacao do privado e do público no Islao nao é uma fatalidade, é o resultado do que certas pessoas estao neste momento a fazer. Eduard Said, nas suas várias reflexoes sobre estes problemas, defendeu sempre a necessidade da separacao entre fé e razao. Nao admira: foi um dos intelectuais árabes mais cosmopolitas que a cultura ocidental (!) produziu e ele sempre teve consciência disso.
    Quanto mais argumentos leio sobre este assunto, mais convencido fico de que Bush e Blair nao sao má companhia.

    By Blogger Elísio Macamo, at 2:00 PM  

  • ESM
    Sim o terrorismo ate pode ter-se tornado um modo de vida. mas isso nao explica tudo. Temos que reconhecer que a tendencia para o extremismo é alimentada pelo facto do fatalismo ter tomado conta de sociedades onde o desespero e a baixa expectativa sao fenomenos dominantes. Esse desespero é fortemente influenciado pela exclusao politica, pela repressao, pelos acontecimentos de Jenin, Ramallah, e agora Iraq.
    Até que Bush e Blair podem não ser má companhia dependendo da perspectiva com que olhamos as coisas (são boa companhia para M'Barak e para a familia Real Saudita).O facto dos EUA assumirem dualidade de critérios para os mesmos problemas - apadrinhamento ao Egypto e Arabia Saudita e diabolização do Iraque e do Irão bem como a sua conduta claramente guiada não necessariamente pela promocão dos tais direitos universais mas por interesses estratégicos, faz deles más companhias nesta região do Medio Oriente.
    Os terroristas assumem a missão de transcrever o tal descontentamento em forma violenta, mas o descontentamento é generalizado sendo costume ouvir-se expressões do tipo "Deus que Lhe abençoe" em casos de investidas bem sucedidas contra alvos ocidentais.
    Nao sou de forma alguma apologista de tais actos - sao como disse, resposta ilegitimas para causas concretos. Mas sem que o Ocidente reconheça certa legitimidade nas reivindicações desses grupos radicais, nao vejo como terminar com os actos Terroristas.

    By Blogger Sérgio Gomes, at 4:09 PM  

  • Sim, é claro que o facto de o terrorismo se ter tornado num modo de vida não explica tudo, mas neste momento é tudo quanto precisamos de saber para proteger civis inocentes. Não vejo a utilidade de procurarmos racionalizações para um problema que é claramente árabe e islâmico e que utiliza a relação com o Ocidente para externalizar a solução.
    Os valores que os integristas querem forçar sobre os outros fiéis não são consensuais dentro do mundo árabe e islâmico. Alguns países árabes vêem mais afinidade com o Ocidente do que com outros países árabes. Não há mal nenhum nisso, só há mal para quem acha que tudo quanto Bush ou Blair fazem é errado, independemente da situação e do contexto. O sistema de valores que está na base do sistema político que permitiu que um Bush ou Blair subissem ao poder funda-se na razão, e estabelece uma ponte com gente de confissão islâmica que valoriza o respeito pela vida e dignidade humana. Os excessos das tropas aliadas são alvo de debates e de procedimentos jurídicos. E dos terroristas? Temos que ter medida na crítica, não podemos deitar o bébé fora com a água do banho. A democracia liberal não é perfeita, mas é o melhor que temos e pode ser melhorada.
    Eu sou pela protecção de civis inocentes e profundamente contra qualquer tipo de fanatismo, indepentemente das razões.

    By Blogger Elísio Macamo, at 11:55 PM  

  • ESM
    Acho e tenho tentado defender que não se pode parcelar a abordagem sobre o Terrorismo sob pena de não se chegar a soluções sustentaveis e conducentes à proteção da vida dos inocentes. Já agora, quais são as implicaçoes politicas de se assumir o terrorismo apenas como um modo de vida?, E de que forma isso poderá resultar na proteção de civís inocentes?
    Existem de facto contradições (poderei falar delas caso seja necessário) fortes nas sociedades Árabe-Islâmicas e, algumas dessas contradições só não são superadas porque grande parte das lideranças (tanto políticas assim como religiosas) nesta região são consistentemente inconsistentes e muitas das vezes movidas por interesses individuais em prejuízo da colectividade. Contudo, não se pode fazer vista grossa para o facto de certas contradições serem agudizadas pelo tipo de relacionamento que existe entre estes paises e o Ocidente. As afinidades que alguns países desta região vêem com o Ocidente, devem-se principalmente pelo facto disso ser a única via à disposição das lideranças desses países para que continuem a manter-se no poder, excluíndo e oprimindo os seus próprios concidadãos.
    A quando do lançamento da ideia do ‘Great Middle East’, pela dupla Bush Blair, feito à imagem do Ocidente e com Israel como pivot, mesmo os lideres considerados aliados do Ocidente insurgiram-se contra o documento porque viram naquilo uma ameaça à sua própria estadia no poder. O Egypto e a Arabia Saudita são grandes exemplos e o debate sobre a ideia foi arquivado. Portanto, há conivência do Ocidente na criação do desespero que leva com que grupos abracem o fatalismo como forma de reivindicação. Não podemos nos demitir de denunciar esta conivência, mesmo que estejamos apaixonados pela razão ocidental.
    Que fique claro que não estou em defesa do Terrorismo nem dos terroristas. Também sou pela proteção dos inocentes (quantos sustos ja tomei). Contudo, julgo que tal nunca podera ser conseguido por via de uma abordagem amputada do problema e muito menos pela imposição.

    By Blogger Sérgio Gomes, at 2:30 AM  

  • Bom, o problema desta discussão é que estamos a tratar de vários assuntos ao mesmo tempo. Acho bom que tenha dito não estar em defesa do terrorismo, algo que de resto não suspeitei. A minha posição foi sempre de que devemos evitar racionalizar demasiado o que está a acontecer sob pena de darmos coerência a algo que deixou de fazer sentido há muito tempo. Os argumentos que têm vindo a ser repetidos aqui demonstram claramente que o problema principal é a própria sociedade árabe e islâmica. Não sei o que se espera do Ocidente para evitar a acusação de conivência. Que apoie os integristas, mesmo contra a vontade da maioria nesses países? Que sentido faz dizer que as lideranças desses países são movidas por interesses individuais e, estranhamente, ao mesmo tempo não têm alternativa? E que responsabilidade tem o resto do mundo para a falta de coesão e coerência do mundo árabe? Porque temos nós que pagar as favas? Não percebo.
    As implicações de assumir o terrorismo como um modo de vida estão à vista. Primeiro, é preciso conter a ameaça e, se necessário, destruir os focos onde eles mais se manifestam. Isto está em curso, bem ou mal. A outra implicação ainda mais importante é que nos países mais ameaçados o interesse pelo valor da liberdade e da justiça está de novo a crescer. Há um debate forte e intenso sobre esta problemática e ainda bem. Não imagino um debate dessa natureza a ter lugar no seio das pessoas que temos a todo o custo que compreender... Nesse meio é só a obediência e a submissão que contam. Não sei como algo desta natureza pode exercer atracção sobre alguém. Sobre mim que estou apaixonado pela razão, não pela razão ocidental, o integrismo não exerce nenhuma atracção. Tenho, é claro, muita admiração pela cultura ocidental, pois nela a razão tem encontrado frequentemente um campo fértil.
    A reacção militar não está a ser feita da melhor maneira, disso está todo o mundo ciente. A solução, contudo, não é ter empatia pelo integrismo, é melhorar essa reacção e encorajar os países árabes e islâmicos a se juntarem ao resto do mundo civilizado.

    By Blogger Elísio Macamo, at 6:42 AM  

  • JPT,
    É por tudo isto que me sinto melhor na companhia de Bush e Blair. Apesar de tudo.

    By Blogger Elísio Macamo, at 2:35 AM  

  • By Blogger Unknown, at 1:46 AM  

  • By Blogger chenlili, at 3:39 AM  

  • By Blogger Unknown, at 2:38 AM  

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