Ideias para Debate

Thursday, September 29, 2005

A Paz

O editorial do último Zambeze, assinado pelo Director, Salomão Moyana, é uma importante reflexão sobre o tema da paz em Moçambique.
Pedi-lho para o blog e aqui vai:


A um palmo do dia da Paz!

Estamos, precisamente, a um palmo do dia 4 de Outubro, dia do Acordo Geral de Paz, dia da Paz para Moçambique, dia histórico não só para o generoso povo moçambicano, mas data histórica para toda a comunidade dos povos da África Austral e do mundo amante da paz, em geral.

Mas, a Paz não pode ser confundida com a simples ausência da luta armada entre grupos opostos ou rivais. A Paz, para que seja digna deste nome, pressupõe não só a abstenção do uso da força, como também a harmonia social e a possibilidade de resolver todos os conflitos emergentes pela via de diálogo.

Nós, em Moçambique, conseguimos uma parte importante da Paz, que é o calar das armas na floresta entre irmãos do mesmo País. Conseguimos que a luta armada entre a Frelimo e a Renamo acabasse em definitivo a 4 de Outubro de 1992.

Mas, ainda não conseguimos o mais importante, que é a manutenção da Paz pela via democrática, isto é, fazer com que a Paz não seja um abafar constante de tensões sociais e políticas latentes que um dia podem vir a explodir. Quer dizer, temos uma Paz em Moçambique mas a mesma, às vezes, é conseguida à custa da repressão da manifestação de sentimentos contrários, repressão de pontos de vista diferentes, repressão social, política e económica de formas diferentes de construir o mesmo País.

Em certas ocasiões, a Paz em Moçambique está sendo confundida com um ponto de vista político-partidário, daí que uma opinião contrária a esse ponto de vista político-partidário é susceptível de ser considerada como um atentado à ordem pública estabelecida.

Isso é uma deficiência do processo de consolidação da Paz em Moçambique. Trata-se de uma deficiência que, infelizmente, não é devidamente atacada por todos, se calhar, porque conveniente para alguns que dela tiram eventuais dividendos individuais.

Em nosso modesto entender, se queremos um Moçambique realmente de Paz devemos investir em actos que consolidem e dignifiquem a Paz efectiva. Devemos privilegiar acções concretas nas seguintes áreas:

  • Despartidarização efectiva das chefias policiais, isto é, as chefias da Polícia devem, efectivamente, possuir uma capacidade de actuação acima dos partidos políticos, sobretudo em momentos cruciais, como sejam os eventos eleitorais, manifestações públicas e escaramuças. O que tem acontecido até aqui é que a Polícia abstém-se de actuar quando, por exemplo, numa escaramuça, descobre que o prevaricador é do partido Frelimo. Mas actua com maior intensidade e pseudo orgulho profissional quando nota que o prevaricador vem do lado da oposição. Isso não é ser polícia, é ser fantoche de um partido político quando se espera que, em Democracia, o polícia seja um agente servidor do público, o estabilizador da ordem pública, independentemente, do ambiente político em que isso esteja a acontecer. Durante a última campanha eleitoral, a PRM até chegou a escoltar elementos da Frelimo que iam inviabilizar actividades político-eleitorais doutros partidos, na província de Gaza. Em Macamwine, na mesma província, a PRM assistiu impávida e serena a cenas de violência da Frelimo contra elementos de campanha política de um partido da oposição. Até permitiu que os frelimistas alvejassem com pedras a viatura dos observadores internacionais e atingissem, com as mesmas pedras, o repórter da RM ali em serviço. Isso não ajuda para a consolidação da Paz, antes pelo contrário, mostra a fragilidade das instituições que deveriam garantir uma Paz efectiva.
  • Despartidarização efectiva das instituições judiciárias, em particular, o Ministério Público, que ainda actua de forma politicamente conveniente ao partido que está no poder. Em Montepuez, Cabo Delgado, as ordens do Ministério Público de recolher todos aqueles que na cabeça do agente daquela magistratura estavam conotados com a manifestação da Renamo, de Novembro do ano 2000, resultaram numa tragédia sem paralelo na história das magistraturas modernas. Mais de cem concidadãos nossos foram mortos por sufocamento numa cela minúscula local para onde foram recolhidos por ordens do MP daquela província! Nenhum magistrado foi publicamente responsabilizado pelo facto e nenhum familiar das vítimas foi indemnizado pelo Estado moçambicano, apesar de a Constituição acusar o Estado de ser responsável pelos actos dos seus agentes em missão de serviço, sem prejuízo do direito de regresso.

Por outro lado, na Procuradoria Provincial de Gaza deram entrada, durante a campanha eleitoral, diversas queixas apresentadas por um dos partidos concorrentes referentes a actos documentados de violência eleitoral, queixas essas ainda sem resposta até hoje. Porém, há momentos em que vemos a PGR muito mais preocupada e célere na actuação, mesmo que isso implique fazer viajar funcionários seniores de Maputo até Mocímboa da Praia, pagando, como se sabe, um custo de bilhete aéreo equivalente a viagem Joanesburgo-Londres, apenas para ir ordenar detenções indiscriminadas de todos os presumíveis organizadores de manifestações da oposição, deixando impunes e em absoluta liberdade os que emboscaram os organizadores das manifestações pacíficas. Se isto é, de facto, ser magistrado, então, qualquer secretário do Grupo Dinamizador dava para ser excelente magistrado, já que basta saber de que partido é aquele para o acusar e, de que partido é aqueloutro, para o absolver da culpa!!! Com este tipo de actuação parcial de quem deveria garantir justiça para todos, não haverá Paz possível em Moçambique, já que isto cria condições para sentimentos odiosos entre os injustiçados.

  • Despartidarização efectiva do aparelho do Estado, viabilizando, desse modo, a ascensão na carreira pública de todos os funcionários do Estado, independentemente, das suas simpatias políticas. É que, em 13 anos de Paz, não se pode apontar, neste País, cinco reponsáveis no Aparelho de Estado que, de forma pública, sejam conhecidos como simples militantes de partidos da oposição. Aliás, em alguns ministérios é, ainda hoje, obrigatório que antes de qualquer promoção haja certeza da efectiva filiação no partido no poder do candidato a chefe de qualquer departamento, como se o tal departamento fosse financiado pelo dinheiro de algum partido político. Isso constitui, igualmente, uma ameaça à Paz. Isso obriga a que as pessoas se filiem forçosamente num partido político para garantir o seu bem-estar económico e social, o que violenta a liberdade de opção que deveria assistir a qualquer cidadão num país democrático.
  • Combate efrectivo contra a corrupção, sobretudo no sector público. É que não há Paz possível enquanto uns poucos engordarem diariamente à custa da miséria da maioria, que emagrece e morre devido à fome e doenças porque os fundos para isso estão a ser desviados para alimentar o luxo em que navega a minoria corrupta. Quer dizer, enquanto prevalecer a cultura de impunidade da corrupção, sobretudo entre os que detêm ou detiveram cargos públicos importantes, enquanto isso prevalecer, há-de ser muito difícil convencer as vítimas da corrupção das boas intenções verbais de seja qual fôr o governo em funções. É preciso que se dêem exemplos concretos de que este governo pretende incompatibilizar-se com a corrupção. Até aqui, não foram dados sinais suficientes desse cometimento e, o tempo, esse joga a desfavor de qualquer hesitação em tomar-se medidas concretas. Até porque casos documentados estão aos montes!

Atacar essas e outras frentes constitui um contributo concreto para a consolidação da Paz, uma Paz efectiva e duradoira e não uma Paz podre construida com base em compromissos de duração duvidosa.

Moçambique merece melhor Paz e nós temos a responsabilidade de garantir essa Paz, não só para esta geração, mas, igualmente, para gerações vindouras, o que exige de nós seriedade e coragem no ataque aos problemas que, a qualquer momento, podem inviabilizar a Paz no País.

Bem haja, o dia da Paz!

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